quinta-feira, 18 de abril de 2013

Crianças estressadas


Sim, as crianças também sofrem e se estressam! Um desafio para os pais e também para os que estão em volta é perceber isso, como acontece, quais os sinais, as motivações. O que passa no coração e na cabeça desses pequeninos? Passando por uma semana de momentos tensos com um dos meus pequenos, procurei entender mais sobre o fenômeno para poder intervir melhor. Pesquisando sobre o assunto, descobri uma entrevista de uma psicanalista que atua na área no Blog Fale Comigo, da Luciana Saddi, na Folha de São Paulo. 

Na entrevista, a psicanalista psicanalista Sandra Moreira de Souza Freitas diz que criança sofre – e sofre muito. E quanto mais sofre, menos brinca. E quanto menos brinca, mais sofre. 

Lembrei também de uma reportagem que fiz em 2009, quando era repórter do Diário do Nordeste, sobre estresse infantil.  Reproduzo abaixo os textos de  "Pequenos estressados" e "Sem tensão na escola".


Pequenos Estressados


O ESTREITAMENTO DOS LAÇOS ENTRE PAIS E FILHOS É UM ANTÍDOTO PARA OS ESTRESSES QUE OS ATINGEM

As famílias brasileiras estão transformando suas crianças em pequenos adultos. Cada vez mais cedo, os filhos assumem responsabilidades; recebem a tarefa dos pais de serem os melhores em tudo; sentem o peso de problemas de gente grande e vivem sozinhos, desacolhidos pela ausência dos pais em casa.

O resultado disso são crianças estressadas. Engana-se quem pensa que o estresse é coisa de gente grande. Os pequenos são esponjas: absorvem tudo o que está à sua volta. E quando falha o filtro que deveria ser comandado pela figura dos pais, eles realmente sofrem.

A mudança de comportamento é o principal sinal de alerta. Na maior parte das vezes, conforme o médico pediatra Álvaro Madeiro Leite, doutor em Pediatria, essa noção de estresse está muito ligada à família e não existe propriamente condições biológicas, doenças que levem a isso. "Está mais relacionado ao modo de constituição das famílias, como elas podem se dispor para cuidar e dedicar-se aos filhos. O estresse na criança está ligado à não confirmação da sua condição de pessoa", destaca.

As manifestações do estresse infantil podem ser diferentes. Segundo o médico, nas crianças mais vulneráveis do ponto de vista socioeconômico o problema está ligado à falta de horizonte da família e da mãe. "É como se diz no imaginário: os pais são os heróis dos filhos. Imagine um filho pedindo um bombom ou um presente que os pais não podem dar. Depois de sucessivos pedidos e negativas, isso vai conformando as suas emoções, ao ponto de que ele emudece, não pede mais. Se tiver arroz, ele come; se não tiver, não faz diferença. Esse estresse é expressado pelo emudecimento, é o menino que não dá trabalho, sem demandas, sem desejo, é o menino que não tem força para fazer as coisas de crianças", explica o pediatra, o que esse emudecimento está mais próximo de uma tristeza profunda ou depressão.

Já outra situação, mais relacionada com a classe média-alta, é a da criança sem audiência, que não consegue ser ouvida. "Ela quer ter voz e a oportunidade de que alguém lhe diga o que pode ou não fazer. Como a criança não tem essa pessoa que lhe diga isso, fica perdida na dimensão de auto-controle, porque não sabe se conter", diz.

Uma manifestação disso, conforme Álvaro Madeiro Leite, é a hiperatividade. Uma parte dela, por exemplo, está ligada ao estresse de não ser escutada, de não ter um lugar na família. "Os pais, às vezes, têm um projeto de vida de ganhar dinheiro, trabalhar, estudar, etc, e os filhos ficam sobrenadando diante desse cenário. Que lugar essa criança ocupa na família? Essa criança rapidamente sente, pressente, o lugar que ela tem no desejo da mãe e que lhe está destinado".

A dúvida se está ou não dentro do "coração da mamãe e do papai" é algo que desestabiliza os pequenos. Para o pediatra, a insegurança que aflige a criança não se resolve através da fala, pelo mero dizer de palavras, mas pelos comportamentos dos pais. "Isso está na base da desorganização da sociedade. Crianças criadas desse jeito não têm autoestima, não se sentem capazes. O estresse se manifesta de uma série de outros mecanismos que não seja só gritando. Antes de ser uma doença biológica é, na maior parte das vezes, contextual, da família e da sociedade". Por outro lado, Dr. Madeiro destaca que alguns filhos são tão apoderados pelos desejos dos pais que não conseguem produzir os seus próprios desejos. E isso pode ser socialmente estressante.

"A criança nasceu para ser médico, dono da empresa, continuar o nome da família e, na verdade, ela quer dançar balé, ser cantor, ter uma banda de rock e a liberdade de produzir a sua vida". Uma boa parte da classe média, segundo ele, ocorre no equívoco de o filho ser a extensão de um desejo dos pais. "A família só desperta quando a criança está muito ruim, com mau desempenho escolar ou quando os pais começam a passar vergonha na presença de outros pelos chiliques e birras do filho", disse.

Fique por dentro

Preocupações de gente grande
Perder os pais é o maior medo de 98% das crianças brasileiras e a maior preocupação, para 96% delas, é conseguir um bom emprego. Estes são dados de pesquisa divulgada em novembro do ano passado que revelou que a criança brasileira é a mais estressada entre representantes de 14 países (Argentina, China, Dinamarca, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Japão, México, África do Sul, Suécia, Inglaterra e Estados Unidos). A pesquisa foi feita pelo canal televisivo de entretenimento Nickelodeon, com 2.800 crianças, na faixa etária dos 8 aos 15 anos.

Intitulada "Equilíbrio Emocional da Criança Brasileira: o que pensa, com que se preocupa, como age e o que espera do futuro", a pesquisa mostrou que 95% dos meninos e meninas entrevistados também disseram se preocupar em agradar aos pais, 88% em tirar boas notas e 66% se preocupam em não engordar. Além de assistir TV e ouvir música, 32% das crianças elegeram chorar como válvula de escape para o estresse.

O sentimento de segurança e o medo e como eles interferem na construção do comportamento dessas crianças, a relação com amigos, família e cultura, as expectativas de futuro, de oportunidade e o quanto elas são expostas e absorvem isso foram os principais assuntos abordados.
 

Sem tensão na escola

Apesar de estabelecer uma forte relação com a família, o estresse infantil também pode ser desencadeado na escola, entendida como um espaço importante de socialização e, por isso, de tensão. Clima de competições, tarefas excessivas e cobranças, relação com colegas e com os professores também podem criar situações desfavoráveis para as crianças.

A psicopedagoga Ana Ásia Almeida explica que a metodologia, o espaço físico a relação professor-aluno podem ser pontos de tensão. Isso porque, na faixa etária entre cinco e 13 anos, principalmente após o período de alfabetização, aumentam as cobranças pelos resultados satisfatórios e, se a metodologia adotada impulsionar essa competição, pode criar situações desgastantes para a criança.

"Notas, quadros de honra, medalhas podem ser estressantes para uma criança. Entre sete e nove anos de idade ainda não existe maturidade para viver essa competição", explica, acrescentando que, apesar de algumas famílias gostarem desse tipo de oferta, se não houver um suporte para a criança, pode desencadear frustração e baixa estima. Outro ponto destacado pela psicopedagoga, é a questão do espaço físico. Ela ressalta que toda criança necessita de tempo e espaços para brincar, se sentir livre, correr e explorar os lugares e situações. "Brincar proporciona um melhor processo de aquisição cognitiva", explica.

Algumas atitudes, como encher os filhos de atividades, visando que ele seja "melhor em tudo" e se prepare melhor para o futuro, conforme a psicopedagoga Heloisa Maria Câmara de Sena, mestre em Psicologia Social e da Personalidade, acontecem numa tentativa dos pais tentarem satisfazer seus desejos transferindo responsabilidades para as crianças. "Vemos, com muita frequência, pais que matriculam seus filhos na educação infantil, já preocupados com o tempo do vestibular. Essa preocupação não existia antes, as crianças e os pais, talvez porque as mães estivessem mais em casa, eram mais livres", comenta.

Cognição

Além disso, Heloisa Câmara explica que é na primeira fase da infância quando a personalidade se solidifica e preservar isso é muito importante para um desenvolvimento saudável do ser humano. "Por maior que seja a capacidade cognitiva, se a criança não estiver bem emocionalmente, ela não aprende. O desenvolvimento cognitivo e emocional caminham juntos. O processo de aprendizagem envolve muitas dificuldades, e se a criança tiver em casa um porto seguro, no sentido de acolher, de estar ao lado, ela vai se deparar com essas dificuldades e superá-las", disse.

Dentro dessa lógica, a mãe de duas meninas - Mariana, de seis anos, e Carolina, de três anos- pedagoga Renata Régis Bezerra Silva busca fazer com que as filhas tenham "o seu tempo", deixando-as brincar bastante, ao invés de preencher o dia com atividades extracurriculares.

Renata relata que percebe situações estressantes no comportamento das filhas quando elas estão cansadas. "Quando saem da rotina, dormem tarde, fazem muitas atividades, ela s ficam estressadas. Para combater isso, procuro deixá-las sem muitas obrigações, com muito tempo para brincar e exercer a fantasia", disse Renata.

Professor-aluno

Outro ponto que pode ser estímulo para o estresse, conforme a psicopedagoga Ana Ásia Almeida, é a relação entre professor e aluno, considerada um pilar na aprendizagem. "Da mesma forma que pais estressados geram crianças estressadas, com os professores acontece da mesma forma", destaca.

Manter um olhar atento sobre os professores, não só como profissionais, mas como seres humanos, conforme a também psicopedagoga Heloisa Maria Câmara de Sena, é importante para que as dificuldades emocionais sejam cuidadas e não gerem problemas em sala de aula.

"É importante que as escolas tenham essa percepção e invistam na comunicação, integração em todos os sentidos para que os profissionais se sintam bem. O educador precisa estar bem se conhecer melhor para que não leve questões pessoais para a criança. Precisa estar livre", finaliza Heloisa Câmara.

Entrevista
*JOÃO VICENTE MENESCAL"As famílias tratam suas crianças como adultos em miniaturas"

Como as crianças são atingidas pelo estresse?

Da mesma forma que os adultos, as crianças também sofrem com situações estressantes. O que mais observamos é que existem muitas cobranças em torno dela e uma pressão pelo seu bom desempenho em casa e na escola. Se observarmos, há duas décadas atrás, ainda nem se pesquisava sobre o assunto, pois as pessoas tinham uma vida muito mais tranquila. Não é só a pressão pelo sucesso, mas também a rapidez com que as coisas acontecem na sociedade e consequentemente na vida da criança. Precisamos de tempo para nos perceber e, com a criança, é do mesmo jeito.

A dinâmica familiar interfere nesse processo?

As famílias, muitas vezes, tratam suas crianças como adultos em miniaturas, fazendo muitas cobranças para serem bons alunos, bem comportados, melhores em tudo. Preenchem o dia inteiro das crianças com atividades, como línguas, esportes, aulas extras e não se dão conta da importância de ser criança mesmo, de brincar de não ter grandes responsabilidades.

Os pais estão alerta a esse problema da sociedade moderna?

Existem dois tipos de pais: aqueles que conseguem dar atenção de qualidade ao seu filho e aqueles que não conseguem. Os filhos que têm melhor assistência dos seus pais conseguem diluir o estresse com o suporte que recebem. Já os pais que, por algum motivo, não conseguem estar mais próximos, criam uma relação de troca e não de diálogo com seus filhos.

Os pais sobrecarregados não se percebem como sujeitos e também não percebem seus filhos. Um exemplo foi o caso daquela mãe que esqueceu o filho dentro do carro em São Paulo. Ela já estava tão engolida pela correria da rotina que, quando teve uma alteração, não teve tempo de elaborar isso e esqueceu o filho dentro do carro. A falta do espaço para o diálogo e conversa, convivência como brincar, dar banho, alimentar, afasta os filhos dos pais e é nesse espaço que se formam laços afetivos que vão se prolongar pelo resto da vida. É quando os filhos entendem que os pais são seu porto seguro.

Como a criança demonstra que está estressada?

A mudança de comportamento é um dos principais indícios. Pode acontecer de ela ficar mais reservada, sem querer conversar; mais choro; insegurança; tristeza; problemas na escola; surgimento de dores, como de cabeça e barriga; irritações. Assim como os adultos, as crianças também demonstram ficar estressadas, mas diferentemente deles, elas não verbalizam esse sentimento.

Quando os pais devem procurar ajuda profissional?

Alterações de comportamento são sinais de alerta de alguma situação desfavorável. Quando as próprias crianças e seus pais não conseguem lidar com essa mudança e já não encontram formas de fazer uma intervenção que resulte no retorno à normalidade é preciso buscar ajuda de um profissional, que vai atuar como um mediador dessa situação e auxiliá-los a superar a fase problemática.

Psicólogo*